Análise Textual – Capítulo 25

(Por Thiago)

            Um dos aspectos que mais me agrada escrevendo Illuria, é o fato de não haver “mocinhos” e “bandidos”. Quem são os vilões de Illuria? Quem são os heróis? Claro, temos protagonistas, mas mesmo eles tomam atitudes duvidosas de vez em quando. Isto porque nós queremos (intencionalmente) apagar a linha que separa heróis e vilões, e mostrar apenas pessoas diferentes e os conflitos de interesse que surgem das suas interações.

            Até o arco de Zomma ter início, nós fôramos apresentados aos orks como se fossem eles os vilões. Então conhecemos Ishnar e seu ponto de vista distorceu totalmente esta noção. Ishnar refere-se aos orks como uma minoria desrespeitada, cujos direitos foram retirados pela maioria opressora de Ceregalim.

            Quando eu estava pensando os temas que quero abordar em Illuria, ficava matutando como poderia levar para a história discussões atuais e modernas, sem quebrar a temática de fantasia medieval do mundo. Não existem preconceitos de gênero ou sexualidade em Illuria (falaremos sobre isso em outra análise!). Porém, embora várias “espécies” humanoides habitem os continentes, existe uma forma de preconceito racial. Todo o preconceito que gera a relação opressor-oprimido advém de eventos históricos ocorridos no mundo. Por exemplo, devido às consequências do Cataclismo Glacial, os edarlundinos restantes desenvolveram temor e mesmo ódio em relação a magos e magia.

            Já no caso dos orks, elfos lunares e elfos siderais, o preconceito é uma consequência da guerra. Embora elfos do sol e da lua vivessem em conflito desde sempre, as demais raças pareciam conviver em harmonia antes da guerra. Foi só após a guerra que a maneira como olham para estes seres mudou. Por exemplo, no final do Capítulo 25, Ulisses refere-se aos orks como “verdolengos” (que significa “de coloração esverdeada, verdoso”) e ele utiliza a palavra de uma forma pejorativa. Os elfos siderais por vezes são chamados de “cinzentos” também. Referir o tom de pele das minorias como uma característica negativa é uma ponte que Illuria faz com os preconceitos que sofremos no planeta Terra. Foi a forma que encontrei de levar uma discussão importantíssima para dentro de uma história de fantasia. Porque literatura também é debate, também é luta, também é política.

            Eu confesso que estava receoso de usar o termo “raça” para referir os tipos distintos de espécies inteligentes que habitam Illuria, justamente pela carga que essa palavra carrega. O uso da palavra vem, na verdade, do meu querido e amado RPG. Para quem não conhece o jogo, quando você cria a ficha do seu personagem, com suas características e poderes, você seleciona dois aspectos que o definem: sua classe e sua raça. A classe é o que define o conjunto de habilidades dele (mago, ladrão, guerreiro, etc), enquanto que a raça define sua aparência, origem e cultura. Além do RPG, o conceito de diferentes raças coexistindo em um mundo fantástico é bem comum em livros de fantasia. E achei que eu poderia utilizá-lo da mesma forma positiva e alterar a maneira como a discriminação acontece em Illuria.

            Apesar de se manifestar através disso também, não é diretamente do tom de pele que advém o racismo contra essas espécies. No caso dos elfos siderais, é o fato da grande maioria deles serem resultado de estupros, quando os elfos lunares capturavam elfas solares (ou vice-versa? Jamais saberemos, já que quem conta a história é o vencedor e os elfos solares venceram a guerra; Capítulo 21). E, no caso dos orks, foi por terem se aliado aos elfos lunares (muito embora Malaquias conte que isso só ocorreu porque no livro de Zacarias, os orks são descritos como bestas, quase monstros, no mito da criação transcrito do Livro dos Tempos; Capítulo 7). Sobre os elfos lunares não falarei agora, vou deixar que eles apareçam mais na história primeiro, embora já tenham deixado alguns rastros aqui e ali (já encontraram?). Talvez se os orks houvessem se aliado aos elfos solares na Guerra Eclipsal, a forma como são vistos fosse completamente diferente no tempo presente da narrativa.

            Tudo isto para dizer que não importa se sua história se passa num universo paralelo, ou num futuro distante, ou num passado fantástico. Sempre há uma forma de levar uma discussão atual para dentro dela, para fazer seus leitores pensarem e refletirem. Na minha opinião, este é o papel formador de caráter da literatura: ela nos faz ver pelos olhos de outras pessoas e nos faz sentir o que estas pessoas estão vivenciando. Ela nos proporciona outras vidas e faz-nos viver situações que talvez jamais passaríamos ao viver a nossa. E estas experiências fazem-nos crescer enquanto seres humanos.

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