Reinos de Illuria: Qazárqan

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– Mapa dos reinos.
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QAZÁRQAN, O REINO MECÂNICO

Geografia:

            Qazárqan é um dos dois reinos a ocupar território tanto na superfície quanto no subterrâneo de Illuria, sendo Imiru o outro. Na superfície, sua região é composta predominantemente por montanhas e uma extensa praia, tão vasta que poderia ser considerada um pequeno deserto. Qazárqan ocupa toda a costa sudeste de Primera, fazendo fronteira com Brammaccia, Imiru, Galileo e Orkhan. Em Tertiera, Qazárqan ocupa um território com o exato mesmo tamanho que o da superfície, porém muito mais bem aproveitado, estando ele inteiramente preenchido de uma fronteira a outra por casas, edifícios, oficinas e fábricas. Sob a terra, Qazárqan faz fronteira com Imiru, Ixvav e, antes da guerra, também Ixzonidirr.

            O reino possui uma única cidade, a capital de mesmo nome. A cidade-reino estende-se pela vastidão da praia, pelas montanhas da Cordilheira Dorsal e, sobretudo, pelas cavernas de Tertiera, sendo a primeira e única cidade a ocupar três biomas completamente distintos. Diferente das demais nações de Illuria, Qazárqan foi o único reino que se expandiu em todas as direções: para cima, para baixo e para os lados.

            A praia onde parte da cidade se localiza não tem nome; os gnomos nunca a nomearam. No entanto, popularizou-se o uso do nome Praia do Inventor, em homenagem à interpretação do Criador pelos gnomos. A praia recebe as águas calmas e mornas da Baía da Jabota, único ponto próprio para banho no Oceano do Criador. A baía recebeu esse nome por lembrar o rosto de uma jabota (fêmea do jabuti) abrindo a boca; um animal comum da região. Muito se estipula a respeito da temperatura das águas; não se sabe ainda se elas são aquecidas por um vulcão adormecido ou alguma condição natural do solo, ou se por alguma máquina aquecedora concebida pelos gnomos. Sabe-se que eles se utilizavam de um controlador de clima central, que até os dias de hoje atua em toda a área interna de Qazárqan. Poderia ser ele atuando também na água da baía?

            Nas montanhas de Qazárqan encontra-se a nascente do Rio Bravo, que irriga a porção centro-sul e parte do sul de Primera. Deduz-se que, o que quer que seja responsável pela fúria do Oceano do Criador, também seja responsável pela ira do Bravo – um rio que rasga a terra com a força de mil cavalos. É o Rio mais largo do mundo e mais violento.

            No monte mais alto na cercania da cidade-reino, os gnomos construíram um enorme telescópio para estudo da abóbada celeste. O observatório gnomical fora batizado como O Olho do Confim. Desde o sumiço dos gnomos, contudo, o olho mantém-se fortemente trancado e ninguém foi ainda capaz de fazê-lo reabrir. Dizem que as lentes d’O Olho eram tão poderosas que se podia ver Hedonícia sobre os planaltos de Secunda, ou até mesmo as estrelas.

            Na superfície, a flora e a fauna de Qazárqan são variadas, respeitando cada bioma. Na zona da praia, onde fica a cidade, a flora é composta por cactos, gramíneas e arbustos, ralos e espaçados entre si; a fauna é composta por tartarugas (terrestres e marinhas), crustáceos (normais e gigantes), répteis (normais e gigantes), polvos (normais e gigantes), camelos, dromedários e diversos tipos de aves marinhas. Embora o clima também varie bastante entre os três biomas (moderado na pradaria, frio nas montanhas e quente no deserto), o interior da cidade em si está sempre em uma temperatura agradável, nem quente, nem fria, em perfeita harmonia.

História:

            Segundo a mitologia mais aceita, os gnomos teriam sido criados durante a Segunda Era. O Criador teria se utilizado do mesmo molde que usara para criar os elfos, com uma singela alteração: removeu-lhes a graça. Ao contrário dos elfos, cuja graça élfica os faz eternamente jovens, desprovidos dessa dádiva e igualmente imortais, os gnomos envelhecem para sempre. Mas, enquanto seus corpos enrugam e definham com os séculos, suas mentes ficam a cada ano mais brilhantes.

            Dizem que durante a Segunda Era os gnomos viram tudo o que havia para ver, então se estabeleceram em uma região para investigar o que haviam visto. Qazárqan teria sido o nome do fundador do reino dos gnomos. Claro, Qazárqan não é um reino como os outros. Começou com uma casa, logo acoplada a uma oficina, em seguida acoplada a outra casa e outra oficina, e mais uma casa, e a um edifício, e mais uma oficina, e mais um edifício, e assim sucessivamente até espalhar-se. Qazárqan é, na verdade, uma cidade de uma casa só, porque todas as construções da cidade são conectadas entre si, como se fossem apenas cômodos de uma casa muito grande. Há quem diga que é possível entrar em uma residência no ponto mais fundo da cidade-reino e sair no ponto mais alto do Observatório, sem nunca sair das dependências, apenas cruzando portas e corredores.

            Os gnomos passariam duas Eras isolados (a Terceira e a Quarta), distraídos com seus inventos e imersos na ciência, até se revelarem plenamente ao mundo. Mesmo quando os elfos tomaram a iniciativa diplomática em relação às raças jovens, os terceirogênitos do Criador permanecerem em silêncio. No entanto, ao fim da Quarta Era, sem qualquer aviso prévio, os gnomos convocaram representantes de cada nação para visitarem Qazárqan, naquela que talvez tenha sido a primeira reunião simultânea entre todos os líderes mundiais. Nesse encontro histórico, os gnomos teriam presenteado os outros povos com seus inventos, sem pedir nada em troca, com o único intuito de promover o progresso. Se isso ou alguma outra razão os motivaram a tal ato altruísta, até hoje permanece um mistério, como tantas coisas relacionadas aos pequeninos.

            De fato, o avanço em todas as partes foi tamanho. As mudanças causadas pela presença das ferramentas gnomicais marcaram o início de uma nova Era, um novo período para Illuria, um momento de transição entre o Velho e o Novo mundo, que os historiadores convencionaram chamar de Era da Travessia. Não à toa, são atribuídas aos gnomos a maioria das descobertas científicas da civilização moderna.

            Após esse episódio, os gnomos continuaram produzindo e fornecendo invenções e melhorias para o mundo todo, porém, na sequência daquele encontro inicial, tornaram a sumir do cenário político de Illuria. Em verdade, os gnomos nunca tiveram qualquer interesse em assuntos que não fossem relacionados à ciência. Com isso, eles foram praticamente esquecidos pelos outros reinos, sendo pouquíssimo mencionados na História de Illuria. Mas os pequeninos também não davam importância para fama; ficavam satisfeitos em ajudar a todos com suas criações. E ficavam ainda mais satisfeitos de terem a liberdade de fazer isso sem interrupções exteriores.

            Raros eram os gnomos que deixavam Qazárqan para viver em outras culturas. Mas, quando alguma situação de conflito surgia no mundo, todos os gnomos, sem exceção, retornavam para Qazárqan, para aguardar o conflito resolver-se. Não se tem notícia de nenhuma guerra na qual os qazarqianos tenham participado; sua posição para com cada reino sempre foi de neutralidade. Nunca formaram alianças oficiais, mas tendo em vista as benesses advindas de sua amizade, nenhuma nação jamais hostilizou o Reino Mecânico.

            Foi durante a Era dos Heróis que a história dos gnomos em Illuria teve um fim súbito e inexplicável. Como de costume, quando os conflitos escalaram, todos os gnomos vivendo em outras terras retornaram para sua cidade natal. E os gnomos entraram em outro hiato, outra vez desaparecendo das vistas. O que ninguém esperava é que eles desaparecessem de fato e por completo, sem deixar vestígios. Durante as batalhas decorrentes da invasão da Lua Sangrenta à região centro-sudeste de Primera, os exércitos tiveram de cruzar Qazárqan e encontraram o reino vazio, inabitado aparentemente há meses. Supôs-se que os gnomos houvessem construído um esconderijo para esperar a guerra passar, entretanto, após a guerra chegar ao fim, eles não retornaram. E assim permanece até os dias de hoje.

            Foi a segunda emigração de toda uma espécie para fora de Illuria, sendo a primeira a emigração dos dragões, durante a Era do Êxodo. Costuma-se dizer que os gnomos solucionaram todos os enigmas do mundo e foram embora, em busca de outros mundos cheios de incógnitas por solucionar e deixando para trás um enigma insolucionável, como que para lembrar aos povos de que a ignorância ainda é o maior dos inimigos.

Cultura:

            A vida e sociedade dos gnomos é objeto de muitos estudos durante a Era da Fortuna, como uma tentativa de descobrir uma pista para onde eles teriam ido. Chama atenção o fato de sua sociedade ter sido organizada sem hierarquia e sem líderes, totalmente horizontal. Cada gnomo atuava como uma engrenagem importante em um grande mecanismo, cada um com uma função que reflita suas aspirações.

            Os gnomos só tiveram contato com o conceito de monarquia após aquela reunião com os demais reinos. Pareceu aos gnomos estranhíssimo que uma única pessoa detivesse tanto poder sobre as decisões de todo um reino. Apesar disso, entenderam que para tratar (dos parcos) assuntos da política externa precisariam também eles de um representante; não um rei, mas um regente. Foi eleito como Diretor do projeto Qazárqan um conceituado inventor, considerado um gênio, chamado Fiforifo. Foi o único rei que o Reino Mecânico jamais teve.

            Não existia código penal em Qazárqan, nem prisões, tampouco punições, porque não existia crime. Também não existiam leis propriamente ditas, mas uma noção de bem-estar geral, de comunidade e de trabalho em equipe que unia os qazarqianos.

            Os gnomos eram agnósticos; acreditavam na Cósmica Exuberância e reconheciam sua importância no grande esquema das coisas, mas não sentiam necessidade de adorá-la. Não existiam igrejas ou religião em Qazárqan. Ao invés disso, a cada vez que uma nova fábrica ou oficina era inaugurada, sua abertura era dedicada ao Inventor; uma excêntrica forma de oração. Os gnomos representavam o Inventor como uma grande espiral (às vezes se referindo a ele como A Grandiosa Espiral), um símbolo pelo qual tinham enorme apreço. A espiral estava presente em tudo, desde suas vestes até sua arquitetura, e inclusive em sua tecnologia; dentro de cada invenção gnomical há pelo menos uma peça com o formato de uma espiral.

            Como defendiam uma posição de neutralidade, o pacífico povo dos gnomos sequer possuíra um exército. Mas não eram indefesos. Como diante de qualquer problema, os gnomos resolveram-no inventando uma ferramenta e desenvolveram cavaleiros mecânicos para patrulhar as ruas e fronteiras de Qazárqan, mantendo o reino a salvo.

            Os gnomos desconheciam as noções de moeda, propriedade privada, família e herança. Eles não carregavam sobrenome. Cada gnomo, ao nascer, recebia um nome único, jamais utilizando antes e que jamais se repetiria. A única posse na qual eles acreditavam era o conhecimento, todo o resto era destinado ao Coletivo.

            O Coletivo era a família, a escola e o herdeiro. Quando nascia um gnomo, ele era educado e treinado por toda a sociedade, podendo transitar livremente por todo o reino, até encontrar sua vocação. Não existia laço afetivo ou noção de parentesco, mas uma relação prática, na qual crianças eram vistas como aprendizes em treinamento. Mas, em verdade, infantes gnomos eram extremamente raros; geralmente, a taxa de natalidade anual em Qazárqan era zero. Em contrapartida, a taxa de mortalidade também. Os gnomos, incapazes de morrer por doença ou velhice, envelheciam para sempre, de modo que, talvez sem o querer, acabaram constituindo uma sociedade composta por idosos.

            O ritual de passagem, relativo à morte, praticado pelos gnomos era no mínimo desconcertante para outras culturas. Ao se esgotar o furor investigativo de um gnomo, ele entendia que sua contribuição para com o mundo chegara ao fim e, em um último serviço ao Coletivo, atirava-se no Grandioso Motor: um enorme forno à carvão, responsável pela fonte de energia que põe em movimento todos os autômatos de Qazárqan. O gnomo torna-se, literalmente, o calor que move a cidade; seu espírito passa a integrar o giro da engrenagem que move o reino.

            Um novo bebê gnomo só era gerado quando um gnomo decidia encerrar com sua existência. Através desse método, os gnomos conseguiam controlar seus números com exatidão, mantendo em Illuria a mesma quantidade de gnomos desde que foram criados. Como são imortais, é um cuidado necessário para evitar a superpopulação, porém, uma consequência advinda dessa opção assolou a espécie: quando toda a sociedade era integrada por idosos, o interesse sexual e a fertilidade para procriar perderam-se. Todos os gnomos nascidos em Qazárqan a partir da Era da Travessia foram desenvolvidos em laboratório, in vitro, em tubos de ensaio e úteros artificiais. Não fosse a tecnologia, provavelmente a raça se teria extinguido.

Presente:

            Os gnomos continuam desaparecidos na Era da Fortuna e sua Qazárqan segue abandonada à própria sorte. Inúmeras expedições foram realizadas para tentar descobrir o paradeiro dos pequeninos, todas infrutíferas. Qazárqan abandonada, com suas múltiplas portas e escotilhas, com seus corredores e suas espirais, tornou-se um extenso complexo labiríntico feito de cobre e movido à carvão, estendendo-se por cima e por baixo da terra.

            No século que permaneceu inabitada, a cidade-reino foi depredada e pilhada por ladrões e caçadores de tesouros de toda parte. Hoje em dia, em qualquer feira de rua encontram-se ferramentas e artefatos gnomicais à venda; nem sempre verdadeiros. Segundo boatos, o Grandioso Motor ainda funciona, alimentando todos os edifícios e autômatos da cidade. As máquinas que ainda perambulam perdidas pelas ruas enferrujadas de Qazárqan são seus últimos habitantes.

            Ou melhor, seus penúltimos habitantes. Porque um qazarqiano ainda reside em Illuria, porém não no Reino Mecânico. O gênio inventor Butercupe era uma daquelas raras exceções em seu povo, um gnomo que preferia viver em outro reino, no caso, Galileo. Segundo diz o próprio gnomo, o jeito gnomo de ser atrasava o progresso de seus inventos e que Qazárqan estava, na verdade, protelando o verdadeiro avanço do mundo não entregando todas as inovações que podia. Algumas invenções de Butercupe são, digamos, polêmicas. Um bom exemplo disso é o canhão de mão, um projeto no qual trabalha recentemente; o gnomo estaria desenvolvendo um canhão portátil, batizado de Pistola Butercupe, cujo disparo ocorre com o puxar de um gatilho, como uma besta.

            Quando questionado a respeito da grande guerra e por que não atendeu ao chamado de Fiforifo, Butercupe alega simplesmente que estava dormindo e não ouviu a convocação. Mas ele assegura que não teria ido ainda que estivesse acordado, pois segundo ele não aguentaria mais um segundo sequer vivendo junto a seus pares e morreria de tédio no lugar para onde eles foram. Quando perguntado que lugar é esse, Butercupe sempre se recusa a revelá-lo.

            Após a guerra, o então rei de Galileo, Amarante, foi rápido em conferir um título de Barão à Butercupe e a conceder-lhe terras, onde poderia continuar trabalhando em seus inventos. O baronato Butercupe é cercado por muralhas, como quase tudo em Galileo, e protegido dia e noite pela guarda real. Muitos creem que o baronato era uma espécie de zoológico particular, que Amarante teria concebido para preservar o último membro de uma espécie em extinção. Butercupe, interessado somente em continuar com seus projetos, aceitou o título como quem aceita um patrocínio.

            Fato é que Galileo teve muito a ganhar dessa coligação, uma vez que o reino, investindo nas criações de Butercupe, acabava sendo agraciado com várias delas. O maior exemplo disso é a estrada de ferro que liga Galileo e Imiru – toda a engenharia do projeto tinha a mão e a mente do último gnomo. Butercupe afiança que não tem outra obsessão na vida se não superar as limitações impostas pela natureza. Ele tem andado quieto ultimamente; muitos dizem que está trabalhando em um projeto novo. Há boatos de que durante o festival do centenário, o inventor mostrará ao mundo sua obra-prima.

            Não fosse o nome Butercupe estampado em vários utensílios do mundo moderno, talvez os gnomos já tivessem sido completamente esquecidos. Todos os reinos interessados em seu bem-estar há anos já haviam cessado as missões de busca. Se os gnomos não podiam ser encontrados, porventura significasse que não desejavam ser encontrados. A pergunta que nos fica é: por quê? Teriam eles, de algum modo, previsto os horrores da guerra e fugido antes que o pior acontecesse? Teriam eles descoberto outro continente ou ilha, onde se mantinham seguros e afastados? Afinal, para onde terão ido? Apenas o tempo dirá.

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