Prólogo: Os Cinco à porta

            Nós conseguimos. Afinal, lá estávamos e eu mal podia crer que nossa aventura se aproximava do fim. Os perigos da jornada, as agruras e sacrifícios suportados, a solidão da estrada, as saudades da família e de casa, nada disso fora em vão. Tudo o que vivemos juntos nos trouxe até aqui, até este momento, e eis nossa recompensa: nós conseguimos. Nós encontramos o Templo Perdido de Illuri. E se o que buscamos estiver dentro dele… Se o Livro dos Tempos estiver dentro dele, então saberemos a Verdade. Quando mostrarmos a Verdade ao mundo, talvez consigamos impedir que essa guerra sem sentido aconteça. Essa era a nossa prioridade, esse era o nosso intuito.

            — Afinal, cá estamos! — comemorou O Guerreiro, tomando a dianteira e galgando os primeiros degraus que levavam à entrada do templo.

            Mais de uma vez nos vimos emboscados como consequência da impetuosidade de Mijbar, nosso destemido líder, um combatente voraz e respeitado entre os elfos do sol. Impelido pela emoção da conquista e uma confiança abundante, optou por esquecer a espada na bainha. Trocamos um olhar entre nós quatro e iniciamos a subida.

            A arquitetura do templo era como algo jamais testemunhado antes por mim, e creia-me quando digo que já vi meu quinhão de culturas e lugares bizarros. O espanto estava na simplicidade. Nenhum detalhe esculpido, nenhuma estátua ou vitral, nada; sequer possuía janelas, as paredes eram completamente lisas. Tampouco se viam tijolos, pedras ou concreto, como se todo o templo houvesse sido talhado da mesma rocha de um verde leitoso e esfumaçado. Lembrava uma torre, pelo formato cilíndrico elevando-se do chão rumo ao céu, mas as semelhanças terminavam aí. Fora a estrutura, não havia nada mais no centro daquela clareira. O único acesso visível era a longa escada que subíamos; ela levava até uma porta gigantesca na metade do cilindro e, dentro dela, literalmente só o Criador sabia.

            Percebi com o canto do olho que O Assassino se destacava do grupo e caminhava mais próximo às sombras. Notei que os passos de Vriitja não emitiam som e dei-me conta que ele estava se preparando para o pior. Pareceu-me exagerado, embora eu conhecesse esse excesso de zelo como um costume do elfo da lua. De minha parte, suspeito que aquela atitude era sua pequena petulância diante da liderança de Mijbar, seu antigo rival, com quem ainda trocava algumas faíscas. Pronto, havia desaparecido, coberto pelo sombrio manto da noite que começava a cair.

            — Eu odeio quando ele faz isso — confessou O Clérigo.

            O rei dos anões, Trûr, sem dúvida era o mais bem equipado de nós cinco e com certeza também o mais experiente em assuntos religiosos. Ele tinha mais a perder naquela empreitada do que qualquer um de nós e acredito que ele sabia disso também. Vi o anão armar-se com seu fiel martelo-de-guerra, um item enorme que o obrigava a segurá-lo com ambas as mãos.

            — Está muito quieto aqui — constatou, desconfiado. — Não gosto disso.

            Eu já havia notado. Não havia qualquer sinal de atividade ali, nenhum indício que sugerisse a presença de outros seres, nenhum vestígio de outros aventureiros, nada. De igual modo não vimos qualquer animal, nem mesmo um inseto. Curioso que as árvores fossem a única forma de vida presente no lugar de criação da própria vida. Tantas dúvidas, uma única certeza: éramos os primeiros a pisar ali em muito, muito tempo, ao ponto de nossas botas marcarem pegadas na poeira dos degraus. O Templo de Illuri não estava somente perdido, como também abandonado.

            Ao chegar no cume da escada, O Guerreiro parou e virou-se para nós.

            — Nada além da porta — declarou.

            Essa era a mesma porta descrita no livro Os Cinco de Illuria (também escrito por mim), lá chamada de Porta Ornamentada, por conta das pedras preciosas que decoravam seu corpo. Eu contei, eram exatamente cento e quarenta e uma gemas dos mais variados tamanhos e cores, todas ovais ou redondas, distribuídas sem uma ordem aparente ao longo de toda extensão da porta, que julguei ter não menos que dez metros. Tudo o mais deserto; não havia nada, nem ninguém. Confesso que esperei guardiões ou algo semelhante, mas ao que tudo indicava, estávamos sozinhos. Apenas nós cinco e aquela porta extraordinária que, apesar de sua magnitude, estranhamente possuía maçanetas simplórias e diminutas, destoantes da proporção do resto.

            — Afinal, aqui estamos! — exclamou A Barda, exibindo seu par de gazuas, uma em cada mão, e posicionando-se de frente para a fechadura. — Permitam-me fazer as honras.

            A jovem Sandrine expressava seu entusiasmo usual desde que chegáramos. Observava tudo com um brilho no olhar e um sorriso nos lábios, o que sugeria que, tão logo saíssemos dali, comporia as mais belas melodias em sua cítola, sem lhe faltar inspiração; verdade seja dita, nunca lhe faltava mesmo. Porém, antes disso, havia a porta.

            A Barda introduziu as gazuas na fechadura e mexeu nelas algumas vezes, com movimentos treinados, tentando vencer o mecanismo de tranca.

            — Oh, pasmem, não está trancada!

            Ela estendeu a mão em direção à maçaneta, mas meu chamado a freou:

            — Sandrine, espere.

            E, sendo eu O Mago, todos me cederam seus ouvidos para um conselho de última hora. Prossegui:

            — Antes de abrir a porta, eu gostaria de falar algumas palavras. Faz muito tempo que estamos na estrada, companheiros, mais tempo até do que posso recordar. Hoje, aqui e agora, esta jornada termina. Decerto cuidam que, ao cruzarmos essa porta, nada será como antes, se o que buscamos estiver aqui. Se o Livro dos Tempos estiver aqui, conheceremos a verdade sobre tudo, sobre nosso mundo, porventura até além dele. Vocês estão preparados para a Verdade? Saibam que a Verdade pode ser uma bebida inebriante, cujo sabor não se conhece por doce ou amargo até beber. Asseguro-lhes, nenhum monstro ou masmorra que confrontamos até aqui se compara a esse desafio. Porque o que estamos prestes a descobrir pode contrariar tudo o que sempre acreditamos. Vocês estão abertos a essa possibilidade? Estão prontos para enfrentar isso?

            Senti que uma nuvem cinzenta pairou sobre nossa trupe e relampejavam dúvidas, mas o som da porta abrindo espantou o dia nublado. Era O Assassino que, sem anúncio, acabara de entrar templo adentro. E nós, um a um, em silêncio, seguimos atrás dele pela Porta Ornamentada…

Trecho do manuscrito original jamais publicado da continuação de Os Cinco de Illuria, escrito por Zacarias Estrelado.

Os Cinco de Illuria sobem a escada rumo ao Templo Perdido de Illuri.

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